Dançantes e Abatazeiros
Entrevista com Tassiane
Dançante da Casa
Maio 2014
Tassiane (TA): Meu nome é Tassiane, nasci aqui mesmo em São Luís, nasci no dia 27/02/1976. Os meus pais e avós são daqui de São Luís também. Sou solteira. Tenho um filho, que é abatazeiro e também bandeireiro da Festa do Divino. Sou balconista numa panificadora. Tenho o 2º grau completo.
João Leal (JL): Como é que chegou aqui na casa? TA: Eu cheguei aqui no Ilê Axé Obà Izô através de um serviço, que eu vim em prol da minha vida pessoal. Mas eu já conhecia o Pai Wender. Antes antes mesmo de eu começar a frequentar o terreiro, eu já conhecia o Pai Wender, eu já tinha amizade com ele e aí um belo dia eu estava na praça, a gente conversou e tal e ele, então [disse], “eu faço o serviço pra ti, está bom!” Aí eu vim, Seu Cravinho fez um serviço e, por incrível que pareça, o serviço deu muitíssimo certo e aí eu comecei a vim em sessão e as coisas começaram a se manifestar, aí pronto! Eu fui ficando, ficando. JL: Como é que começaram a se manifestar? TA: Assim, passou a ter uma caída aqui, uma caída ali, um nervosismo, um choro e assim que elas foram começando. [Isso] durante as sessões, quando eu vinha frequentar as sessões. Também tinha dor de cabeça. Mas aí quando começei a dançar isso tudo passou. JL: E é filha de santo faz quantos anos? TA: 2003... Desde há 11 anos. Bem no princípio do terreiro… JL: Qual a reação de sua família? TA: A minha família ela não aceita, o meu pai não aceita a minha religião. Eu tento nem entrar em conflito com ele, eu tento, como é que eu posso lhe dizer? Quando tem alguma coisa aqui no terreiro, eu evito falar com ele, ir na casa dele, pra não estar batendo de frente com ele. JL: E assim, no emprego, lá no serviço? TA: Ninguém sabe. JL: Você prefere não dizer pra não ter problemas? TA: É, pra não ter problemas. JL: E vizinhos? TA: Meus vizinhos [eu moro aqui perto do terreiro] eles são ótimos, meus vizinhos gostam, eles não se incomodam não. JL: E lá no trabalho, assim quando tem obrigações, você tem que sair mais cedo, algum dia que não pode ir, aí diz a razão? TA: Não digo a razão, eu digo que estou doente, que não estou-me sentindo bem, que eu estou com mal-estar. JL: E quais são os encantados que recebe? TA: Seu Pequenininho, Seu João do Leme, Dona Taquariana, Seu Sebastiãozinho, Barão de Guaré, Menina do Caidó, Seu João da Fé, Seu Areinha, Dona Flor de Lis. Dona Flor de Lis é a filha do Rei Dom Luís. É uma princesa. E meu vodum é minha mãe Iansã, meu pai, Ogum. JL: E dessas entidades qual é a que se faz mais presente? TA: Seu Pequenininho. JL: E como é que é ele? TA: Ele é [risos], ele é ótimo, gosto muito dele. JL: Assim, farrista? TA: Não, meu farrista é Dona Taquariana, só que como ela vem assim em outra linhagem, né? Então, ele vem mais, por que ele sabe assim…, ele conversa, ele brinca, ele é que é do babado mesmo. JL: Aí, por exemplo, quando tem o levantamento do mastro [na festa do Divino], é ele... TA: É ele que está. JL: E Dona Flor de Lis vem pouco, vem nos toques de princesa, é? TA: É, nos toques de princesa, pela festa de Dom Luís e pela festa do Divino. E vem também na festa de dezembro. JL: Os caboclos se fazem mais presentes do que os gentis? TA: É. JL: E como é que é Flor de Lis? TA: Eu acho que ela é assim bem calma, bem tranquila, tá entendendo? Também gosto muito dela, é uma entidade que eu acho que qualquer pessoa gostaria de receber. JL: E Dona Taquariana quando se manifesta? TA: Geralmente, 8 de dezembro, 14 de dezembro, 8 de fevereiro. Ela vem muito pouco, muito pouco. JL: E você, quando recebe um encantado, depois se lembra do que é que aconteceu? TA: Não, só se as pessoas que estiverem perto, né? [me disserem]. Assim como o meu filho, sempre ele comenta alguma coisa, “olha! mãe, Seu Pequenininho fez isso, fez aquilo”, alguém fez isso, fez aquilo, mas não dá para lembrar, não dá. JL: E como é o transe? Como é que você o descreveria? TA: Na minha pessoa o transe começa pelas minhas pernas, eu vou ficando sem força. Aí depois vem a palpitação acelerada no meu coração, vou ficando gelada e aí eu vou perdendo a noção do tempo. JL: E aí o encantado toma conta de você? TA: É, e aí eu não sei mais de nada. JL: Aí, o encantado não tem dor física? TA: Não. JL: E quando está cansada? TA: Isso não existe mais. [Por exemplo, um dia] eu estava com o meu pé engessado, teve uma sessão aqui e nem por isso eles deixaram de vim… Estava vindo até aqui com o gesso, mas eles vieram. Eu creio que não dá pra cansar, porque aqui tem um tambor, que é dia 2 de agosto, que é o tambor de Seu Jariodama, né? O tambor começa onze horas da noite, termina sete da manhã e os caboclos ainda ficam aí, vão embora lá pra cinco horas da tarde, a gente não se sente cansada não. |
«Quando a gente tá recolhido, meu pai de santo, ele faz uma chamada, aí ele vai cantando pra vários caboclos, né? E aí os caboclos vão-se mostrando pra ele. Cantou pra Seu Pequenininho, “Pequenininho como eu sou” e se ele se manifestar em cima de mim, aí já fica marcado que aquele dali é meu Légua, assim que é.»
JL: E de quais entidades gosta mais?
TA: Eu gosto de todas elas. JL: Pode cantar uma doutrina? Por exemplo, de Flor de Lis… TA: “Venho com a maresia, eu venho com a maresia, sou eu a mesma flor, sou eu a Flor de Lis, sou eu a mesma flor, sou eu a Flor de Lis. Venho com a maresia, eu venho com a maresia, sou eu a mesma flor, sou eu a Flor de Lis, sou eu a mesma flor, sou eu a Flor de Lis” (cantando). JL: E Pequenininho? TA: “Pequenininho como eu sou, desaforo eu não aturo, minha faca está amolada, meu facão está na cintura, Pequenininho como eu sou, desaforo eu não aturo, minha faca está amolada, meu facão está na cintura, Pequenininho como um toquinho de pau, Pequenininho como um toquinho de pau, meu pai é Preto Velho tocador de berimbau, meu pai é Preto Velho tocador de berimbau, Meu pai eu sou pequenino, carrego peso que nem homem, meu pai eu sou pequenino, carrego peso que nem homem, aê, aê, Pequenino, carrego peso que nem homem, aê, aê, Pequenino, carrego peso que nem homem” (cantando). JL: Não tem nenhuma doutrina que o encantado tenha cantado só com você? TA: Tem uma, de Seu João do Leme, “o meu leme está no mar, meu reinado é na Turquia, o meu leme está no mar, meu reinado é na Turquia, o meu nome é João, filho do Rei da Turquia, o meu nome é João, filho do Rei da Turquia, o meu leme está no mar, meu reinado é na Turquia, o meu leme está no mar, meu reinado é na Turquia, o meu nome é João, filho do Rei da Turquia, o meu nome é João, filho do Rei da Turquia” /cantando). JL: João de Leme é um turco, é isso? TA: O João do Leme é um turco. Ele é filho do Rei da Turquia. É um caboclo. É filho de um nobre mas foi criado por outros caboclos. JL: Aí, essas doutrinas você foi aprendendo durante a sua iniciação? TA: É. Quando a gente tá recolhido, meu pai de santo, ele faz uma chamada, aí ele vai cantando pra vários caboclos, né? E aí os caboclos vão-se mostrando pra ele. Cantou pra Seu Pequenininho, “Pequenininho como eu sou” e se ele se manifestar em cima de mim, aí já fica marcado que aquele dali é meu Légua, assim que é. JL: Seu Pequenininho é da família de Légua? TA: Seu Pequenininho ele é um surrupira e foi criado por Seu Légua, mas ele é um surrupira. JL: E Barão de Guaré? TA: É nobre. Mas eu não sei qual é a família dele, ele nunca vem em cima de mim, ele só deu uma passagem quando eu estava recolhida, mas também nunca mais se apresentou. Pequenininho, Flor de Lis, Dona Taquariana e Seu João do Leme, eles é que frequentam mais. Dona Taquariana é também uma Surrupira. JL: E santo católico? TA: A minha senhora Iansã, ela representa Santa Bárbara, Ogum adora Santo Antônio. JL: E por aí você é devota desse santo? TA: Não, não sou assim devota, né? JL: O vodum é que é devoto? TA: É, ele é devoto, por exemplo, dia de Santa Bárbara, eles pegam a santa, vão prá missa e tudo, é a santa assim dos Deuses, Santa Bárbara e São Jorge também faz parte, e Ogum e Santo Antônio também. JL: E você, acredita em Deus, nos santos? TA: Acredito, creio em Deus... Creio em Deus sim, em primeiro lugar Deus e no Divino. JL: Acima dos Voduns? TA: Em primeiro lugar, Deus. JL: O Divino é Deus? TA: É. JL: Você já bancou os Impérios? TA: Já, meu filho, foi o primeiro Império da casa. JL: Foi Pai Wender que pediu, algum encantado que pediu, foi promessa? TA: Foi promessa. JL: Mas tem, por exemplo, muitas filhas de santo aqui da casa que bancam os Impérios num ano e pode ser o encantado que pediu, né? TA: Ano passado, foi ano passado, não foi? Foi Seu Pequenininho, foi ano retrasado [2013]. Foi Seu Pequenininho e Seu Zé Raimundo. Pegaram só uma criança e sentaram ali pra bancar. JL: Qual é a despesa de ter uma criança nos Impérios? Tem o bolo... TA: Tem bolo, tem lembrança, tem comida, tem bebida. JL: O bolo pode custar o quê? TA: Uns R$ 300,00. JL: E as lembranças? TA: Uma faixa de R$ 200,00. JL: É você que faz ou compra feita? TA: A gente compra feita. Lá no Centro. Geralmente a gente encomenda lá no Cantinho Doce. A gente olha aquela que está feita, aí se a gente não se agradar, a gente pede daquela mesma ali, só com detalhes diferentes. Aí a gente paga cozinheira, tem que pagar cozinheira. Porque aí a festa, a gente tem que lavar cozinha, porque aí tem tambor, tem isso, tem aquilo e a gente fica muito cansada, né? Aí a gente prefere pagar uma cozinheira. JL: Então isso tudo faz uma despesa de quanto por Império? TA: Acho que uns R$ 2.000,00 ou 3.000,00. JL: Muitas pessoas, sobretudo quando tem essas festas maiores, que tem mais gente, tem mais filhas de santo, dizem assim, “ah! o terreiro é como se fosse uma família”… TA: É verdade. Aqui a gente tenta conversar, dividir a situação de uma com a outra, a gente troca confidências também com uma e com outra e eu creio que isso seja uma família. Quando alguém está com problema, uma liga pra outra, aí a gente tenta amenizar aquela situação, acho que isso é uma família. JL: É? Mais também tem conflitos de vez em quando? Fuxico? TA: Tem, tem fuxico, tem confusão, as vezes a gente se zanga. Mas depois fica tudo bem, com família mesmo, como pai, mãe, irmã, assim que é. JL: E Pai Wender, como é que ele é? TA: Meu pai… Todo mundo tem seus defeitos e suas qualidades, né? Mas, meu pai, ele é meu, ele é tudo que eu tenho na minha vida hoje. Se hoje eu vivo bem, eu tenho o meu emprego, eu tenho onde morar, tenho o que comer, eu devo ao meu pai Wender, ao meu pai Xangô, a minha mãe Iansã, eles que me deram o caminho, me deram direção para viver feliz. JL: Isso quer dizer que antes a sua vida era mais difícil? TA: Era. [Eu] não conseguia ficar em emprego, passava assim dois, três meses e não dava certo. Eu vivia cheia de feridas, eu vivia muito em conflito com meu pai, ele não aceita, mas hoje em dia ele não se envolve mais. JL: Ele [Pai de santo] dá muitos conselhos pra você? TA: Dá, eu converso muito com ele. Quando quando tenho problemas, dificuldades, ligo pra ele, por que eu converso com meu pai de santo o que eu não converso com meu pai, eu não tenho essa liberdade de conversar com meu pai carnal como eu tenho pra conversar com meu pai de santo, por isso eu não troco ele por nada nessa vida, nada, nada, eu não troco ele. Pode existir o melhor pai, pra mim o melhor pai de santo é ele, os caboclos dele, os Voduns, tudo é ele, não tem outro, não dá outro, amo muito demais ele, demais, faço pra ele de coração, tudo que ele me pedir eu faço de coração. Eu amo meu terreiro. É ele a minha vida, tudo que eu tenho, tudo que eu faço, eu devo a ele. |