Dançantes e Abatazeiros
Entrevista com Ricardo
Abatazeiro da Casa
Maio 2014
Ricardo (RI): Meu nome é Ricardo, eu tenho 23 anos, eu comecei a me iniciar aqui no terreiro desde 2004 e a minha profissão hoje em dia é operador de caixa. Sou daqui de São Luís e moro bem pertinho daqui. Tenho o ensino médio completo.
João Leal (JL): Como é que chegou no terreiro? RI: Por influência de amizade, o pessoal daqui da rua tudo frequentava aqui. JL: E você era amigo dos abatazeiros? RI: É, dos abatazeiros todos daqui, a gente sempre teve essa amizade, a gente mora perto, aí acabou influenciando em eu vim pra cá. JL: E aí, no começo foi convidado pra tocar, é isso? RI: É, eu fui convidado pelo Seu Cravinho pra vim aqui olhar um toque, né? Aí eu olhei, me agradei e fiquei. Quando eu entrei, eu só observava, aí depois eu fui pegando uma cabacinha, que era mais fácil de se tocar e depois de muito é que eu fui pegar o tambor pra tocar, que eu fui aprender mesmo, porque tipo eles não me ensinaram, eu aprendi observando, olhando, entendeu? A gente teve teve uns dois ensaios e a gente parou, por que o pessoal trabalhava, não tinha como tá nos horários todos, eles pararam, só teve dois ensaios, aí não deu pra aprender muito não. JL: Então, o primeiro toque em que tocou mesmo foi em 2005, é isso? RI: Sim, 2005, acho que no período da festa de agosto ou de dezembro, não me lembro muito, foi num desses dois. Mas antes… A primeira vez, eu tinha vergonha de tocar aqui em casa, [por isso] a primeira vez que eu toquei, que peguei um abatá pra eu tocar foi lá na Casa de Iemanjá, aí foi a primeira vez, aí eu peguei, o pessoal não reclamou, aí, estou aí até hoje. JL: Os abatazeiros são mais que abatazeiros, não é? Porque ajudam nas obrigações… RI: É. Por exemplo, nessas obrigações na maioria das vezes tem cortes, entendeu? Aí nós abatazeiros, a gente é iniciado, tem a nossa feitura, entendeu? E a gente tem que fazer o corte dos bichos, entendeu? Aí a gente tem de ajudar JL: E a sua iniciação foi quando? RI: Foi em 2006. A partir daí [é que] comecei a participar das obrigações. JL: E você gosta de ir em outros terreiros ver como é que os outros abatazeiros fazem? RI: Gostar assim de tá indo em outros terreiros eu não gosto muito não, eu vou acompanhar o meu pai de santo, entendeu? Fora, tem as casas dos meus tios de santo que eu gosto de ir, mas fora isso assim... JL: E nunca assim teve um transe, bem que rápido? RI: Não, até hoje não. [Mas] aqui em casa teve um caso de um rapaz, ele era abatazeiro e na iniciação dele, ele virou para o Orixá dele, aí é dançante hoje, mas é difícil, entendeu? Mas acontece, comigo nunca aconteceu JL: E assim, quais são os toques mais difíceis? RI: O toque pra Vodum, ele é um toque bem cadenciado, bem mais tranquilo, bem leve, o toque pra Princesa também, agora o toque pra Caboclo, às vezes entra tambor da mata, aí o toque começa bem mais acelerado, esse ritmo de tambor da mata, essas coisas assim. [Mas] a dificuldade, ela não está nas doutrinas, entendeu? Está no modo de se tocar, porque a gente pode ter uma doutrina que ela é corrida, se ela é corrida, for uma doutrina corrida para um Vodum, vai ter um modo de tocar. Se for para um Caboclo não, tem que tocar mais agitado, entendeu? JL: Tem assim na sua família, vizinhos, [alguém] tem assim preconceito contra a religião afro? Você já teve algum problema por causa disso? Lá no trabalho? RI: Na minha família hoje em dia não tem, no meu trabalho também, eu sou muito discreto, eu falo pouco da minha religião assim, quando me perguntam, também eu não minto, eu falo minha religião é essa e tal. Mas logo quando eu entrei aqui, minha mãe, ela não era preconceituosa, só que ela não queria, ela não aceitava. Aí só que a minha avó, a irmã dela tem essas coisas também, recebe entidades, mas minha mãe, ela dizia “tu não vai”, eu chorava, ela dizia “menino, tu não vai para o terreiro”, eu chorava, doidinho pra querer vim pra cá, aí quando eu comecei a morar com a minha avó eu comecei a frequentar aqui. JL: Lá no trabalho todos sabem que você é abatazeiro? RI: Sim. JL: Mas não tem problema? RI: Não, porque tipo, todo mundo tem sua religião, eu não critico a religião de ninguém, então não vou aceitar que ninguém critique a minha. JL: E como é que é o ambiente aqui? RI: O terreiro é uma irmandade, nós somos todos irmãos de santo, temos o nosso pai de santo e a nossa influência aqui é boa, por que a gente já foi nascido e criado todo mundo junto, entendeu? A gente sempre teve esse negócio de irmandade, chamava meu primo, não sei o quê, meu irmão, hoje em dia a gente, brigas tem, mas a gente nunca se separa assim... JL: E os abatazeiros são um grupo muito enturmado, né? RI: É por isso, como eu estou te falando. Nós, abatazeiros, você pode reparar, nós somos todos daqui da Liberdade, da região aqui, da mesma área. A gente foi nascido e criado todo mundo aqui, juntos, por isso que tem essa irmandade mesmo assim bem forte entre a gente. JL: Dos toques, qual é o que gosta mais? RI: Eu gosto mais do toque cadenciado, que é o dobrado, né? Eu acho bem mais suave, leve, bonito de se tocar. |
«O toque pra Vodum, ele é um toque bem cadenciado, bem mais tranquilo, bem leve, o toque pra Princesa também, agora o toque pra Caboclo, às vezes entra tambor da mata, aí o toque começa bem mais acelerado, esse ritmo de tambor da mata, essas coisas assim.»
JL: Antes de ser abatazeiro, você trabalhava já com música né?
RI: É. Eu antes de entrar aqui no terreiro, eu fazia curso de teclado, música no teclado, aí eu tinha banda e tal, só que a banda que eu tocava era banda de rock, heavy metal e tal, essas coisas, só que eu parei. Continuo gostando, só que banda, essas coisas, eu larguei de mão. Eu [também] toco aqui no Boi da Liberdade, todo ano a gente toca lá.A gente vai, a gente toca, porque é todo mundo conhecido, entendeu? Eles gostam que a gente toque lá, a gente toca. Mas na verdade não faço parte, só no período da morte do boi lá, que a gente vai e toca com eles lá, entendeu? JL: Então, essa paixão pelo rock ficou pelo caminho, não é? RI: Não, não é que ficou pelo caminho, eu gosto ainda, só que não como antes, entendeu? Eu me vestia, me produzia todo, é tipo assim, teve um contexto, entendeu? Da minha religião e da minha profissão, por que antes era uma profissão, querendo ou não, eu tocava, ganhava dinheiro, era profissão. Então tipo, eu com meu Vodum, meu Orixá é Oxalá, eu não posso usar preto dia de sexta-feira e era o que eu mais fazia antes, entendeu? Aí eu tive que me controlar, renunciar, se é isso mesmo que eu quero, aí eu fui e preferi minha religião. JL: E como é a sua relação com o pai de santo? RI: Antes eu não tinha muita intimidade assim com meu pai de santo. Quando eu entrei tinha muito toque assim pra Caboclo, essas coisas e eu só ficava aqui dentro do terreiro mesmo quando tinha os Caboclos, entendeu? Principalmente, eu quase que não conversava com meu pai de santo, era mais com Seu Cravinho, por que eu tinha mais afinidade assim com ele. JL: Você começou por conhecer o Seu Cravinho e só depois é que conheceu o pai de santo? RI: Foi, pois é. Depois de muito, [é que] eu fui sentar e conversar com ele. JL: Eu estive em alguns terreiros onde sum abatazeiro me disse, “ah! Eu gosto de ser abatazeiro por conta da cachaça”, mas aqui não tem essa coisa, né? RI: Não, aqui você vê que é difícil assim ter um toque e a gente está com bebedeira. Num toque para Caboclo rola uma, duas, três [cervejinhas], mas não muito também, a gente está aqui porque a gente gosta, é a nossa paixão, entendeu? Se o senhor andar por aí, o senhor vê tocador que cobra, que só vai por cachaça, a gente não, a gente vai pela fé, a gente vai pelo amor a religião mesmo. JL: Vocês fazem turnos de uma hora e meia, né? RI: Porque cansa, né? É um instrumento que como qualquer outro cansa, aí a gente tem que ter esse trocamento, a gente marca assim uma hora e meia pra cada. JL: Vocês são quantos ao todo? RI: Esse ano tem esse grupinho de 6, mas deve ter uns 11 ou 12. Mas esse grupinho nós somos mais juntos, porque foram os que iniciaram aqui e nós somos todos da mesma área, aí depois foram aparecendo mais de outras áreas, tipo, convivem com a gente, mas não muito assim, não de sair com a gente e tal. JL: Mas tem dias que tem menos abatazeiros, não é? Aí fica mais pesado, não é? RI: É, tem dias que é mais pesado, tem que segurar. Mas também as entidades, elas entendem também o nosso lado, quando tem bastante, o tambor prolonga, quando tem menos, aí o tambor termina mais cedo, por conta disso, por causa do cansaço também, se depender da gente, a gente vai até [tarde], mas só que não dá, o corpo cansa, a matéria cansa, a gente tem que parar. |