Dançantes e Abatazeiros
Entrevista com Marcelo
Dançante da Casa
Maio 2014
Marcelo (MA): Meu nome é Marcelo […], nasci 7 de março de 1986 aqui em São Luís. Meus pais são daqui. Eu estudei até o 2º grau, na Unidade Integrada Estado do Pará, fica perto onde eu moro, aqui próximo na Liberdade, perto do terreiro. Tenho vários tipos de profissão, construção civil, auxiliar de limpeza, auxiliar de cozinha, por enquanto eu estou em uma que é construção civil.
JL: Como é que chegou aqui no terreiro? MA: Eu cheguei através da minha mãe, a minha finada mãe, que já faleceu há quatro anos, ela era da casa, aí vim através dela, acompanhar ela. Eu era pra eu ser um abatazeiro, só que nas coisas das obrigações todas eu preferi por ser médium, que era pra mim dançar e agora dia 15 de setembro eu vou fazer cinco anos de feitura na casa. Aquela coisa me chamou, aquela energia me chamou pra cá e eu me senti bem aqui, como eu estou até hoje bem, graças a Deus e graças a todos os Orixás. JL: E você fala no trabalho, no bairro, que recebe encantados, que vem aqui no terreiro? MA: Eu falo, por que eu sou um médium, um vodunço, da casa. Eu gosto de dizer da minha espiritualidade, que às vezes muitas pessoas não acreditam, às vezes muitas pessoas criticam, então eu já chego, já converso, falo tudo, digo “olha! Minha religião é essa, sou desse jeito, se você quiser a casa está aberta”, tem muitos que me acompanham, vêm até aqui. JL: Mas não tem muito preconceito? MA: Não, não, o preconceito é que ficam falando que essas coisas não existem, aí eu falo e digo: “existe sim! Se um dia você for comigo, você vai ver tudo que é, o que é espiritualidade, o que é cultura de África, coisa de africano, o que são eles, vocês por enquanto ainda não sabem, mas se vocês forem, me acompanharem, irem até onde eu habito, vocês vão acreditar”. Muitos vêm de vez em quando aqui pra visitar a casa, como amanhã é dia, tem vários aí. JL: E o seu patrão? MA: Ele não acredita, mas a minha encarregada sabe, por que eu sou assim, eu sou o tipo da pessoa que eu sou positivo, eu digo que eu não sou crente, a minha religião é outra, eu digo que eu não sou, como eles dizem, macumbeiro. Mas não, não sou macumbeiro, eu convivo numa coisa africana de Orixá e caboclo. JL: E quais são os encantados que recebe? MA: Por enquanto até agora que apareceu é Jandorama, o irmão de Jariodama e Seu Imbaúba, que foi criado aqui nessa casa. Eu tenho a minha mãe Iemanjá, meu pai Oxóssi e Ogum, um pai da casa que é Xangô, minha mãe Sogbô e Oxumaré. JL: E não recebe gentis e princesas? MA: Por enquanto ainda não apareceu. JL: E assim, quem é que se faz mais presente? Os Orixás, os caboclos? MA: Os dois da mesma forma, porque o Orixá vem primeiro, dá o equilíbrio pra gente e depois vem o caboclo, pra ficar pra se divertir, fazer as coisas aqui acontecer. JL: Assim, fora do terreiro, fora dos toques, as entidades baixam quando está em casa, no trabalho? MA: Não, não. JL: Como é que é, vamos dizer assim, como é que é o seu caboclo (Jandorama)? É divertido? MA: Eu não sei assim lhe explicar, porque o que os meus irmãos de santo falam é que ele é calmo, que ele é na dele, não fala muito, fica direitinho, fica na dele, sentado. JL: Então, não é assim um caboclo tipo farrista? MA: Não. Agora tem esse, o farrista mesmo é o Imbaúba, que é da família de Légua, é o mesmo Folha Seca, é o mesmo Folha Seca. Ele é irmão de Seu Légua. JL: Quem é que se faz mais presente? MA: É o Imbaúba. |
«Mas como eu sempre pedi, eu disse, dizia e digo até hoje, que um dia eu ia vencer e estou vencendo cada vez mais na minha vida, estou prosperando na minha vida, porque a minha vida antigamente não era isso. Hoje eu tenho meu emprego, antigamente eu era afastado da casa...»
JL: Como é que é o transe, o que sente quando começa?
MA: Assim, quando a gente entra pra dançar, a gente chega a dar aquele nervoso já, que já é o sintoma, ele já toma a gente já, aí depois vem cantiga, vem música para Orixá, vem tudo, então, aquilo ali vai, a gente se concentra pra eles, aí depois acontece, a gente não se lembra mais de nada, só se lembra quando eles vão embora. [No corpo dá um] arrepio, um frio, abrimento de boca, tudo isso, já é um sintoma deles, aí depois não se lembra mais de nada. JL: Mas é só durante os toques né? MA: Não, a partir do momento que a gente entra aqui no Terreiro, qualquer hora pode agarrar, pode soltar, quando a gente entra, a gente já entra com o pensamento pra cá, esquece rua, esquece tudo, quando a gente entra aqui, o nosso pensamento é todo, é aqui. Imbaúba ele é que se faz mais presente, ele que resolve todos os meus problemas, eu sempre peço pra alguém dar o recado pra ele, pronto! Eu tive um problema sério, ele, tudo ele resolveu, eu convivia com uma pessoa que não queria saber da minha religião, ele não tratava eles bem, então, ele mandou um recado, disse pra mim que eu não ia ficar mais com essa pessoa e até hoje, fazendo oito meses e eu não estou mais com essa pessoa, que ele falou que ele ia me tirar e tirou mesmo. JL: Quando tem um problema, não pede uma ajuda a um Orixá, assim como Ogum, né? É mais o caboclo que se faz presente ajudando? MA: Ele transmite o recado para o Orixá. Porque se eu estiver com problema, se ele me agarrar, ele sabe que estou com problema, então, ele pega esse problema, retira de dentro de mim e leva, porque quando ele vai já fica diferente, meu pensamento muda, fica totalmente diferente. JL: A sua vida depois de ser iniciado aqui no terreiro deu uma melhorada? MA: Demais, eu sofri muito antes de eu chegar aqui. Que eu era um pouco burro de rodado, mas não era mexendo nada, nunca cheguei a usar droga, nunca. Mas como eu sempre pedi, eu disse, dizia e digo até hoje, que um dia eu ia vencer e estou vencendo cada vez mais na minha vida, estou prosperando na minha vida, porque a minha vida antigamente não era isso. Hoje eu tenho meu emprego, antigamente eu era afastado da casa, agora eu botei na minha cabeça e pensei até hoje que eu estou de volta, aqui é minha vida, aqui é meu viver. JL: O terreiro é uma espécie de família? MA: Família, é isso. Aqui no terreiro você desabafa, você tira todas as suas mágoas de dentro, de lá você desabafa aqui. Aqui é quase como uma casa, é quase um hospital, aqui você se deita, você descansa, você respira, tira todas as suas mágoas aqui dentro, tudo que você estiver sentindo você deixa aqui, aqui fica, quando você sai, você sai diferente, você desabafa, você fala o que você está sentindo, o que você sente, o que está acontecendo, o que não está acontecendo. JL: O pai de santo também ajuda, dá conselhos? MA: Ajuda, fala, está errado, se a gente pisar fora, ele fala com a gente, conversa, tá entendendo? Porque aqui dentro é uma coisa, mas lá fora a vida é da gente, se a gente fizer alguma coisa de errada, ele chega, chama a gente e fala que tá errado e a gente como filho, a gente sabe que a gente tá errado, a gente tem que escutar e saber. Hoje em dia praticamente quase ninguém tem mais pai, então, o pai da gente hoje em dia é ele, ele que acolheu a gente, que acolhe até hoje, se a gente pisar fora, ele chega, chama a gente, a gente tem que abaixar a cabeça e escutar o que ele transmite pra gente, o que ele fala pra gente. JL: Pra terminar, pode cantar duas doutrinas de que goste mais? MA: Mas se eu cantar é tantas, é muitas… Vou cantar uma: “as águas do mar é verde, é verde cor de limão, as águas do mar é verde, é verde cor de limão, a sorte quem dá é Deus, a sede trago na mão, a sorte quem dá é Deus, a sede trago na mão” (cantando). Essa é da mata, da mata que faz parte de Jandorama. Aí tem outra: “o sino da mata tocou, é hora de caboclo rezar, o sino da mata tocou, é hora de caboclo rezar, é hora caboclo, é hora, é hora de caboclo rezar, é hora caboclo, é hora, é hora de caboclo rezar. O sino da mata tocou, é hora de caboclo rezar, o sino da mata tocou, é hora de caboclo rezar, é hora caboclo, é hora, é hora de caboclo rezar, é hora caboclo, é hora, é hora de caboclo rezar” (cantando). |