Dançantes e Abatazeiros
Entrevista com Lindberg
Abatazeiro da Casa
Maio 2014
Lindberg (LI): Meu nome é Lindberg […]. Eu sou de São Luís, tenho 33 anos, nascido aqui em São Luís mesmo, no bairro da Liberdade, nesse bairro mesmo. Atualmente moro no Monte Castelo, mas eu trabalho em Rosário. Eu sou sociólogo, fiz a graduação em Ciências Sociais e eu também sou professor da rede estadual de ensino médio.
João Leal (JL): Quando começou a tocar? LI: Olha! Eu comecei a tocar eu acho que um ano antes de vim pra cá pro terreiro em setembro de 2007. Eu tive uma experiência de tocar por quase um ano em outra casa e lá que foi que eu peguei o ritmo do toque da cabaça e quando eu cheguei aqui, eu só adaptei ao toque daqui. Eu praticamente toco mais cabaça, toco pouco tambor. JL: Por alguma razão? LI: Não, primeiro foi por não ter o domínio do ritmo, do toque do instrumento. Eu não tinha, não tenho na verdade até hoje, e aí, por conta da própria dinâmica daqui, de sempre ficar com essa cabaça, que é mais pesada e muitas pessoas não tocarem ela, por que se cansam logo, eu acabei-me adaptando, [criei] uma ligação muito forte com o toque da cabaça e acabo não revezando. Eu toco o tambor, mas não é com tanta técnica, né? Então, eu toco às vezes, quando é o jeito, em algumas situações eu toco, mas preferencialmente o toque da cabaça é o que eu domino. JL: Antes de chegar aqui no terreiro, de tocar na outra casa, você já tinha alguma relação com a religião afro? LI: Olha, eu não tinha uma relação direta, até por que eu era protestante, [depois] eu tive uma experiência pouco tempo no catolicismo. Quando eu cheguei no Tambor de Mina, até então, não tinha experiência com o catolicismo. Eu era protestante, mas meu pai era tocador, mas ele não levava a gente pro tambor, ele sempre manteve uma distância. Até que ele se afastou também, a mãe de santo dele já faleceu e a casa já acabou, fechou e aí ele manteve uma distância. Na universidade foi que eu tive a oportunidade de conhecer uma casa, uma experiência de pesquisa, uma observação, uma metodologia e nessa pesquisa, nessa experiência, eu conheci uma casa de Tambor de Mina, aqui na Vila Nova, que é de Seu Joãozinho. E comecei a frequentar a casa, observar, frequentar as festas, eu cheguei a tocar também, cheguei a frequentar sessões, tomando passes, tomando banhos. Mas nunca me envolvi pra participar diretamente da casa, eu acho que isso foi uns três anos antes de eu vim pra cá… JL: Aí largou a religião protestante? LI: É, já estava meio assim afastado, né? Eu fui perdendo o ânimo, entrei na universidade, comecei a cuidar de outras coisas, eu deveria ser missionário na igreja onde eu estava, que é conhecida aqui vulgarmente como Igreja dos Mórmons, mas é Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias e como eu estava na idade de fazer missões, 19 anos, eu fiquei na dúvida se eu ia para a missão ou entrar pra universidade. Eu acabei fiquei ficando na universidade e acabei-me desvinculando da igreja, me afastei. JL: É, mas é interessante, porque geralmente o que está acontecendo é o contrário, né? Pessoas que estavam na religião afro que estão virando crentes? LI: Eu já tinha outras experiências, mas eu sempre tive buscando uma espiritualidade, quando eu me afastava de uma igreja, buscava outra forma e quando eu já estava sem relação nenhuma com religião, [foi] quando eu tive o contato com o Tambor de Mina. Que eu não tinha antes, sabia só o preconceito que todo mundo espalha por aí, até temia, né? [Foi] quando tive a experiência de conhecer a Casa de Seu Joãozinho, aí eu fui e me interessei mais e passei a conhecer outras casas também. JL: E chegou nessa? LI: Então, foi primeiro a Casa de Joãozinho, que eu não cheguei a ter uma participação efetiva, mas eu assistia umas sessões, tomava passes, tomava banhos, aí eu fui pra uma casa na Santa Clara, né? Na Santa Clara, eu não participei da iniciação, mas eu participava diretamente como tocador, lá eu comecei a tocar cabaça, uma experiência de um ano e um ano depois eu conheci aqui a casa. JL: Conheceu como? LI: Eu ouvia falar da casa, porque tinha um amigo meu que era pesquisador e ele pesquisou na Casa de Pai Jorge, né? E ele sempre fazia referência a duas casas que surgiram a partir da Casa de Pai Jorge, que foi a Casa de Pai Aírton e a Casa de Pai Wender. Ele sempre falava, “vamos conhecer a Casa de Pai Wender, vamos na Casa de Pai Aírton”, eu sempre marcava, mas não vinha, então eu sabia que ele [Wender] tinha uma casa aqui nesse bairro. Mas não sabia exatamente onde era, tinha uma noção de onde era a casa. E como a minha companheira na época, ela tinha necessidade de dançar, tinha vários problemas espirituais, isso acabou-me levando… Na verdade eu vim pra religião por causa dela, porque eu tinha que levá-la, porque era uma necessidade dela. Aí eu disse, “tu queres ir pra casa de Pai Wender?”. Ela falou, “não sei, onde é?”. “Tu não sabe onde é, mas eu sei onde é, te levo lá”. Cheguei aqui, perguntei, encontrei a Casa de Pai Wender: Mas eu conheci ele, não aqui, porque aqui estava fechado, ele estava lá na Casa de Pai Aírton, numa Festa do Divino Espírito Santo, que acontece no mês que vem [Setembro] e eu aí eu comecei a frequentar a casa. JL: E logo no início começou, pegou na cabaça? LI: Logo nos primeiros toques. Só um é que eu assisti, no outro eu já estava lá do outro lado, fazendo parte dos eventos, dos tocadores e eu tive oportunidade de tocar, me deram a cabaça, eu toquei, aí eu peguei o ritmo rapidamente daqui. JL: No seu caso, como toca mais cabaça, também teve uma iniciação, como os abatazeiros têm? LI: Sim, eu tive iniciação, eu fui iniciado com um tocador dessa casa, Olubatá da casa, né? E eu tive acesso a todos os rituais da casa, auxiliando o sacerdote, né? JL: Vocês, nessas obrigações, nesses rituais mais fechados, vocês também conhecem a ritualística, né? LI: Exato, a gente realmente faz parte, ou comandando ou auxiliando, né? Tem uma participação muito associada ao sacerdote e é uma grande responsabilidade que a gente tem... O Olubatá, o Axogum, o tocador, ele é aquele que ele não tem o transe. Ele é iniciado, ele recebe um cargo na casa, ele tem aquela função específica mas ele não tem transe, e quando tem todo ritual, as pessoas que não estão em transe é que comandam, que auxiliam, que organizam. As dançantes, na verdade, as que têm cargo na casa, elas participam dos rituais também, né? Dependendo do cargo que elas vão exercer na casa, participam, auxiliam, mas a questão das obrigações que envolvem, inclusive o sacrifício, são exercidas pelos tocadores, pelos Axoguns, pelos Olubatás. JL: De quaqluer modo os tocadores têm um orixá, né? LI: Exato, nós temos, apesar de não termos a incorporação, né? Mas temos uma espiritualidade, que a gente tem a nossa fé, a gente pode não ter incorporação, mas a gente sente a nossa entidade, a gente tem aquela devoção, temos os cânticos deles. Então tem tudo, com a diferença do transe que não ocorre, né? JL: Alguns abatazeiros e dançantes dizem que a vida deles deu uma melhorada quando começaram na espiritualidade afro, ficaram mais tranquilos espiritualmente. Como é que é no seu caso? LI: Olha! Meu caso, como eu falei anteriormente, eu sempre busquei ter uma espiritualidade, mesmo não tendo sido católico, eu frequentava igrejas. Quando eu saía de uma igreja, ia passando o ânimo por aquele local, mas eu buscava sempre uma fé e buscava outra religião, então, sempre tive em busca da minha espiritualidade. Quando eu estava assim já na universidade, estava um pouco afastado de religião, mas eu tinha uma necessidade de buscar, né? De ter uma espiritualidade, trabalhar minha espiritualidade. E como estava a vida muito conturbada, até por conta da minha companheira, que entrava em transe, estava com problemas e os problemas dela eram problemas espirituais… Quando eu cheguei na casa, então, imediatamente, quando ela passou a se tratar aqui, ela melhora e também a nossa vida vai melhorando. Quando eu entrei aqui, eu estava com um problema muito grande assim, na universidade, né? Problemas por causa da graduação, eu não estava bem, não estava muito bem, estava cansado também com a jornada de fazer monografia, fazer seleção, trabalhar, isso tudo, estava muito estafado e quando eu chego aqui, acabo também tendo um conforto. JL: Mais tranquilidade? LI: Mais tranquilidade. E vou trabalhando a minha espiritualidade. Então, reforçou aquela necessidade que eu tinha, que era de trabalhar a minha fé, de ter uma espiritualidade, me conhecer, me satisfazer espiritualmente, né? Porque eu sempre tive necessidade de religião e quando eu chego aqui, eu consigo me equilibrar, me organizar mais. Então, foi bom pra mim. Até hoje, sete anos depois disso. Mesmo que a gente tenha a nossa fé, a gente passa por altos e baixos, né? Isso são as provações também de saber até onde vai a nossa fé, mas aí, tudo é possível superar, através da fé que eu tenho nos Orixás, nos Voduns, nos Caboclos, Encantados. |
«Na verdade, meu sacerdote tem a mesma idade que eu tenho, deve ser poucos meses mais velho do que eu e a maioria está nessa faixa aí de vintes anos pra cá, né? Alguns dois ou três são bem mais velhos, mas a faixa etária assim de vinte e trinta anos é a que predomina...»
JL: E como é a sua relação com o pai de santo?
LI: Olha, Eu sempre tive uma relação muito boa com meu sacerdote, uma proximidade, né? Sempre de conversar muito, orientar bastante, ele gosta de explicar, ensinar muito a gente. Às vezes a gente acaba não se interessando, se a gente se interessasse mais talvez tivesse mais conhecimento, porque ele está disposto a passar esse conhecimento pra gente, porque ele confia na gente como Olubatá, como tocador da casa dele, a gente faz parte dessa casa e ele confia e repassa aquele conhecimento pra gente, até porque a gente está aqui diretamente e ele sempre teve uma relação muito boa comigo, né? E com os outros também, mas ele sempre me explicou muitas coisas, conversou, porque era novo pra mim o Tambor de Mina. Apesar de ter conhecido umas duas, três casas, mas era ainda muito novo, eu conhecia pouca coisa e essa experiência com ele aqui, ele sempre repassando informações, foi muito gratificante, tem uma vantagem muito boa, né? JL: Aqui os tocadores são muito enturmados, é um grupo muito unido. LI: É. Passando por outras casas eu percebi que tinha uma especificidade nessa casa, é a faixa etária das pessoas. Na verdade, meu sacerdote tem a mesma idade que eu tenho, deve ser poucos meses mais velho do que eu e a maioria está nessa faixa aí de vintes anos pra cá, né? Alguns dois ou três são bem mais velhos, mas a faixa etária assim de vinte e trinta anos é a que predomina e eu creio que isso possa ter favorecido essa relação de brincadeira, de amizade, né? Todos se conhecem mais, gostam das mesmas coisas, tem gostos parecidos e também, eu acho que porque a maioria também é da Liberdade e adjacências, então, eu percebo que já se conheciam, muitos já se conheciam antes de entrar na casa. JL: A casa aqui é mais aberta, né? LI: É, eu acho que por conta da própria relação com o mundo exterior que o jovem tem, né? A formação também acadêmica, a gente percebe isso. Eu acho que antigamente essa questão da comunicação era um pouco mais complicada, de como repassar e os jovens não se preocupavam tanto. Antigamente era só os não tinham nem escolaridade, né? Tinham um grande conhecimento da tradição, que era repassado, certo? Mas não tinham muita escolaridade e tinham pouco contato o mundo externo. E eu acho que essa geração, que é bem mais jovem já tem uma escolaridade, sabe ler e escrever, tem o domínio da leitura, né? Até a visão é bem mais crítica, inclusivé, a própria relação com os pesquisadores, né? Eu acho que talvez facilite, tem uma diferença. Mas vai depender muito do sacerdote, quem comanda a casa, se ele repassa mais informações a quem ele acha que deve passar ou não. JL: Mas é um terreiro que embora tenha pessoas jovens com mais escolaridade, socialmente é muito heterogêneo, não é? LI: Ah! Sim, é bem diverso, eu percebo que vários terreiros que eu conheço hoje, eles apresentam essa característica, né? Pessoas de várias camadas, de vários grupos, profissionais, escolaridade, né? De bairros diferentes, de origens diferentes também, mas predominantemente são as pessoas ainda do próprio bairro, pessoas que tem uma origem mais humilde. JL: E apesar dessas diferenças sociais, as pessoas se dão muito bem aqui, né? Quer dizer, essas diferenças, isso não interessa? LI: Sim, não, não vai interessar, a gente é muito aberto. Quando eu cheguei aqui na casa eu aprendi muito isso, que dentro da religião, independente do papel que eu exerço lá fora, eu tinha que respeitar a hierarquia de pessoas que mal estavam no ensino médio ainda, pessoas que estava no ensino médio e eu já era professor. Mas aí, autoridade maior era deles em relação a mim, porque nem iniciado eu era e eles já eram tocadores, já iniciados, antigos da casa, então, eu respeitava muito, né? Agora as relações pessoais, como em todo o lugar, às vezes até rola um atrito, conflito, mas basicamente o que a casa trabalha com os jovens, com as pessoas, é que as pessoas estão aqui como irmãos de santo e tem que prevalecer a história da irmandade, da parceria, né? Do auxílio. JL: Você toca mais cabaça, já disse que às vezes pega no tambor, mas que não se sente assim tão a vontade. LI: É, isso também é um pouco complicado, porque acho que me faltou um interesse, uma participação, uma tentativa minha, uma dedicação. Quando eu fui iniciado, eu tive aulas, né? Porque quando a gente é iniciado pra ser tocador, os tocadores mais velhos vem, ensina “olha! Tem que tocar”, faz uma especie de oficina, né? JL: Ensaios? LI: É, ensaios. Só que aí depende muito da prática e a prática depende da repetição, né? Do esforço, do empenho e como não teve esse esforço e empenho da minha parte de aprender a tocar o tambor, até porque eu não estava adaptado… Mas eu me adaptei muito na cabaça JL: Pode-se dizer que tem toques que, do ponto de vista musical, rítmico, são mais difíceis do que outros? LI: Alguns são mais cansativos, porque quando a gente toca, por exemplo, quando toca inicialmente, começa com imbarabô, que é um toque só pra Vodum, que não vira pra nada, que não tem aquele toque acelerado, é um corrido, ele vai cansar menos, ele é cadenciado, a gente não cansa tanto, o que cansa mais é ficar em pé, mas aí vai, esse é mais tranquilo, eu gosto muito desses toques, apesar de que quando toca virada é muito mais animado, muito mais animado. JL: O toque pra Vodum e toque pra Princesa geralmente é mais calmo, do ponto de vista rítmico, musical, não é? LI: É, tem doutrinas que são corridas, mas não são direto assim, intensas e não são curtos e não se estica tanto. Porque quando tem um toque que tem aquela virada, um toque pra Caboclo, pra Encantaria... JL: Significa que é mais rápido, né? LI: Já é mais rápido e também ele acaba se repetindo muito, as vezes a doutrina fica durante mais minutos, ela dura mais tempo aliás. Então, aquele ritmo vai possibilitando aquela euforia, é muito legal, muito bonito, né? Às vezes cansa mais, mas a gente está num êxtase tão grande do toque, que ele vai contagiando, a gente toca até mesmo estando cansado. Às vezes quando tem aquela sequência de toques, que são bem animados e levanta o astral assim, a gente acaba tocando até mais forte, de forma mais intensa, mas depois vem o cansaço. JL: Vocês não incorporam, mas se pode falar que quando tocam têm uma experiência próximo do transe? LI: É, na verdade é isso, na verdade isso que tu falaste acontece, porque às vezes, mesmo a gente estando cansado, mas tem aquele toque, tem aquele ritmo e tem aquela energia, né? Aquela energia, ela está ali contagiando a gente e não deixa de ser um transe. Às vezes, a gente fecha os olhos, às vezes a gente dança junto, né? Dá uma balançada, também não sai dançando, que é pra não atrapalhar, aí bagunça, aí fica uma coisa assim até um pouco de desrespeito, mas a gente às vezes tem uma espécie de transe. Deixa o corpo ir, aí facilita também, porque a gente se cansa menos, porque sente menos o cansaço. JL: E o Tambor de Surrupira, como é? LI: Esse é extremamente intenso. Tem outros tambores, esse é muito intenso, porque é todo corrido, com um ou dois movimentos que vão ser dobrados, mas ele é todo corrido e muito mais intenso, muito mais rápido e o som tem que ficar mais… É tudo muito extremamente cansativo. Quando é o toque de Surrupira, o toque da cabaça é bem mais alto. JL: Qual é a sua doutrina preferida? LI: Rapaz! Eu estava pensando até agora sobre isso. Eu estava lembrando que nos toques, não por eu ser de Oxóssi, meu senhor é Oxóssi, e eu sempre gosto dos toques mais de Oxóssi. Meu senhor tem duas doutrinas, eu gosto bastante delas. Tem também uma doutrina para Seu Tupinambá. Eu não sei qual a minha relação com Seu Tupinambá, ele vem, desenvolve, ele dança com meu pai de santo uma vez por ano, que é no dia do tambor do meu senhor e ele dança com meu rosário. Então, [como] ele sempre dança com o meu rosário, todo ano, eu acabei criando um vínculo muito interessante com ele assim, né? O meu sentimento por ele é muito forte e tem uma doutrina que eu gosto muito: “eu estava na mata, quando ouvi assoviar, eu estava na mata, quando ouvi assoviar, sou forte, sou temeroso, sou José Tupinambá, sou forte...” (cantando). |