Dançantes e Abatazeiros
Entrevista com Kelvin
Dançante da Casa
Maio 2014
(Kelvin) KV: Meu nome é Kelvin, sou daqui de São Luís e moro bem perto do terreiro, aqui na rua mesmo. Eu ainda não sou iniciado. Posso dançar mas tem obrigações que eu não posso participar. Aqui tudo tem seu certo tempo. Então assim, muitas obrigações eu não posso participar diretamente, mas posso participar indiretamente, ficar de fora, ajudando a fazer algumas coisas de fora, por que nem toda a gente adentra, a gente fica de fora vendo o que pode fazer, o que não pode fazer, ajudar de alguma maneira, da melhor forma.
João Leal (JL): A sua vida mudou muito quando começou a vir aqui? KV: Mudou, mudou pra melhor. Assim, porque antes de eu entrar aqui, eu não trabalhava, a partir do momento que eu entrei pra casa do meu Pai Xangô, de Ilê Axé Obá Izô, eu comecei a trabalhar, me estabilizar assim humanamente. Financeiramente também, melhorou sim 100%. JL: E a sua família sabe que você vem aqui? Como é que eles aceitam? KV: Assim, no começo foi muito complicado com a minha avó parte de pai, ela não aceitava, tudo bem ela ser contra, mas não aceitava. Já foi mais fácil da minha avó parte de mãe aceitar, mas a minha avó parte de pai não aceita assim totalmente, mas respeita, meu pai não respeita, meu pai não gosta da religião, mas também não se opõe. JL: E no trabalho, seus colegas sabem, seu patrão sabe que você vem aqui? KV: Não, meus colegas aqui da rua sabem, mas no meu serviço ninguém sabe, até por que cada um na sua religião, eu não sei quais são as religiões deles, eu prefiro não comentar nada. JL: Que encantados é que recebe? KV: Eu recebo Seu Miguel de Légua e Dona Iguaciara. Seu Miguel de Légua, ele é cunhado de Seu Légua e Dona Iguaciara é uma Surrupira. Recebo também minha senhora Iemanjá JL: E não recebe Princesa, Nobre? KV: Não, até no momento ainda não se manifestaram. JL: E esses dois caboclos são muito diferentes? KV: São. Por que Dona Iguaciara, ela custa a vir, ela vem em datas específicas, que é o Tambor de Surrupira, ela vem mesmo é no Tambor de Surrupira, que é o tambor do fogo e do espinho. A diferença é porque ela se atraca com o fogo, com espinhos, se joga no fogo, se agarra com touceiras de espinhos. É uma coisa que Seu Miguel já não faz. Seu Miguel não, Seu Miguel vem, assim, praticamente em todos os tambores ele está presente. JL: E ele é como? Brincalhão, farrista? KV: Até o momento não tenho título, mas ele vem sempre, então pra mim ele é um farrista. Gosta de beber cerveja… JL: E assim, pra além dos toques de tambores, os Encantados se manifestam no dia a dia? KV: Não, não, eu nunca manifestei fora do terreiro, geralmente, quando eu estou aqui no terreiro é assim, é bem difícil eles virem, poucas vezes ele vem, Seu Miguel, ele vem me dar um recado, me dar um aviso, uma coisa assim ou então vem brincar, se divertir, passar o dia. JL: Fora dos toques? KV: Fora dos toques. JL: E como é que é o transe? Como é que se manifesta? KV: Começa assim, o coração acelera, as minhas pernas ficam trémulas, fico tonto, como se fosse cair, aí a visão vai apagando, aí eu apago totalmente, aí a manifestação acontece nesse exato momento. |
«Porque o terreiro é isso, o terreiro é uma comunidade, todo mundo se dá bem, todo mundo respeita todo mundo, aqui nós somos uma família, uma família, tanto dentro quanto fora, o que a gente puder fazer pelo outro a gente faz, tanto que aqui, todo mundo ajuda todo mundo.»
JL: E como é que é dançar com o Encantado?
KV: Geralmente quando eles vêm, eles dançam, eles me deixam, quando eles me deixam eu me sinto mais leve. JL: Dessas entidades, quais são as doutrinas que você gosta mais? KV: A de Seu Miguel de Légua, que é aquela, “eu sou devoto de São Miguel, eu sou devoto de São Miguel, eu também fui batizado e me chamo Miguel, eu também fui batizado na balança do anel” (cantando). JL: Tem Voduns, depois tem Gentis, Princesas, Caboclos e assim, os Voduns são mais fortes do que os Nobres, os Nobres são mais fortes do que os Caboclos, não é? E os Turcos? KV: Assim, tem os Turcos que são Gentis e tem os Turcos que não são Gentis, que são Caboclos. JL: Por cima de tudo está Deus? KV: Por cima de tudo tem Deus, primeiro lugar aqui no Tambor de Mina, tudo nós pedimos primeiro licença pra Deus. JL: Há pessoas que quando falam do terreiro, né, dizem assim que é como uma família. KV: É, porque o terreiro é isso, o terreiro é uma comunidade, todo mundo se dá bem, todo mundo respeita todo mundo, aqui nós somos uma família, uma família, tanto dentro quanto fora, o que a gente puder fazer pelo outro a gente faz, tanto que aqui, todo mundo ajuda todo mundo. JL: E como é com o pai de santo? KV: Meu pai de santo pra mim ele me recebeu super bem na casa dele, eu tenho ele como pai de santo e tenho ele como ídolo, dentro e fora do terreiro, me trata super bem. Qualquer problema eu venho me comunicar com ele, pedir conselhos, essas coisas, dificuldade também eu recorro a ele. |