Dançantes e Abatazeiros
Entrevista com Iranilde
Dançante da Casa
Maio 2014
Iranilde (IR): Meu nome é Iranilde, tenho 50 anos, moro aqui em São Luís, bem aqui no Centro, no Diamante, minha mãe vive em Alcântara, meu pai acho que ele era daqui mesmo de São Luís, mas aí com três anos fui pró Rio de Janeiro, morei lá 16 anos e voltei de novo pra cá, tenho quatro filhos, morei 12 anos com um rapaz lá, aí me separei e vim embora.
JL: E escola? IR: Eu terminei os meus estudos, mas não fiz faculdade, porque eu tive filho, eu não consegui, de ter de ir pra faculdade e criar filho, eu não consegui, aí eu abandonei, não fiz faculdade. Sou cozinheira, em casa de família. JL: Como é que caiu no santo? IR: Eu vim cozinhar aqui numa festa do Divino. Tem sete anos, eu vim cozinhar, eu, a Sandra e minha irmã, que já faleceu, aí a gente entrou aqui como cozinheiras, mas a gente foi convivendo com as pessoas. E eu desde criança… Porque minha mãe também tem essas coisas, eu sei que ela nunca quis seguir, [mas] ela me levava pra terreiro, no Tambor de Mina, de Umbanda, aí a gente foi, ela batizou a gente em boca de tambor. Aí cheguei aqui, com a convivência, fui convivendo e eu comecei a sentir coisas que eu já sentia antes, mas eu não aceitava. Assim, eu sentia muita vibração, quando as coisas iam acontecer comigo, tinha vez que eu sonhava, nos meus sonhos vinha e me dizia, eu olhava, olhava coisas, vultos. Sentia muita dor de cabeça, dor de cabeça demais, tonteira, teve um tempo que passei quase dois meses sentindo muita dor de cabeça, muita, muita, muita. Eu ia pro Socorrão, tomava remédio, voltava a dor de cabeça, eu chorava muito, eu pensava “meu Deus! Será que eu vou enlouquecer de tanta dor de cabeça?” Era uma tonteira imensa, eu não sabia se era assim alguma coisa de caboclo, mas eu sabia que eu tinha, porque minha mãe, minha avó, lá em casa todo mundo tem. [Mas] só que quem dançou, quem entrou pra Tambor de Mina foi só eu e minha outra irmã, que ela também não aceitava, bebia muito, entrei e eu estou até agora. JL: Já conhecia a casa antes? IR: Eu vinha, assistia tambor na janela, entrava, mas sempre sentindo assim alguma coisa, dizia, “ah meu Deus! Eu não quero seguir não, eu não quero não”. Eu sei que acabei que eu entrei… JL: E sua mãe, claro, aceita bem… IR: Ela aceita, porque como ela não quis seguir, tem que ficar pra algum filho dela e ficou pra mim e pra minha irmã. Porque vai de avó pra mãe, de mãe pra filho, de filho pra neto e assim vai. JL: E preconceitos no trabalho? IR: Não, eu não digo que eu danço, porque eles são evangélicos, eu não posso falar, porque se eu falar que eu danço Tambor de Mina, eles não vão querer que eu fique dentro da casa deles, por que eles acham que quem dança Mina, que é macumbeiro tem coisa com o diabo, né? Que isso daí não é coisa de Deus… JL: Eles falam isso. E você não diz nada? IR: Não, eu fico calada, porque eu não posso dizer que eu sou de Tambor de Mina, porque eles vão me mandar embora e eu tenho que trabalhar. Tem gente que tem muito preconceito no mundo, porque eles acham, assim, que toda pessoa que dança macumba faz mal prós outros, eles pensam assim, que nós vamos pra encruzilhada fazer despacho, essas coisas assim. Mas eles não sabem, porque tem muitos que não sabem, é descrente. JL: Lá onde mora, as pessoas sabem que você vem no tambor? IR: Não. JL: Mas, tem muito crente lá? IR: Demais. Mas ninguém sabe que eu danço tambor não, só aqui mesmo. JL: Que encantados recebe? IR: Eu recebo Dona Dorinha de Légua, Seu Mariano, o Turco, recebo Bandeirante, Seu Jaguarabaçú. Aí tem minha mãe que é Iansã, meu pai, que eu sou de Ogum. Tem a minha Princesa, Dona Joaquina. Ainda tem meu nobre também, que é Seu Floriano que é um gentil. |
«Tem gente que tem muito preconceito no mundo, porque eles acham, assim, que toda pessoa que dança macumba faz mal prós outros, eles pensam assim, que nós vamos pra encruzilhada fazer despacho, essas coisas assim. Mas eles não sabem, porque tem muitos que não sabem, é descrente.»
JL: O Orixá e o Vodum quando você tem algum problema, alguma dificuldade, pede pra eles ajudarem?
IR: Tem, tem que ficar cultuando, acendendo vela. E, quando a gente tem fé, a gente pede pra o nosso Orixá, que está ali em 24 horas com a gente. JL: E assim, no dia a dia? Há pessoas que dizem que estão fazendo alguma coisa em casa e o caboclo baixa, acontece isso com você ou é só nos toques que o caboclo baixa? IR: Não, não, já aconteceu de caboclo vim em cima de mim sem toque de tambor, até em casa mesmo, assim conversando, aí eu sinto uma energização, aí a gente já sabe que é caboclo que está vindo. Aí, as vezes eles vem mais pra conversar, aderir, assim, acho que pra um motivo assim. JL: Você depois não lembra? IR: Não. É como se estivesse assim dormindo. JL: Qual é a sensação quando uma entidade baixa? IR: Eu começo a sentir assim, que meu coração acelera demais, eu começo a sentir assim igual um calafrio dentro de mim, coração começa a bater, me dá aquela sensação de que vou desmaiar, é uma coisa assim forte. JL: Quais as suas doutrinas favoritas, uma ou duas de que você goste mais? IR: Tem duas doutrinas que eu gosto, que é a doutrina da minha senhora e tem a de Dona Dorinha. Eu vou começar por cantar a doutrina da minha senhora, da minha mãe Iansã, que é assim [canta doutrina em língua africana]. Agora eu vou cantar, essa que é de Dona Dorinha, “tremeu, tremeu, eu vi a terra tremer, tremeu, tremeu, eu vi a terra tremer, ah! Eu me chamo Dora Légua e a terra tremeu” (cantando). JL: Última pergunta. Há pessoas que dizem que o terreiro é uma espécie de família e que a vida deu uma melhorada grande desde que começaram vindo no terreiro. IR: É uma família, porque quando a gente precisa de um conselho, de um favor, troca de conhecimento… Porque muita gente, que quando eu entrei aqui eu não conhecia, aí fiz amizade e estou até hoje, criei um vínculo assim de amizade, de companheirismo. De vez em quando tem algum conflito, mas a pessoa, sabendo conviver, não tem. No meu caso assim, eu nunca tive conflito aqui. JL: E a sua vida deu uma melhorada desde que começou vindo aqui? IR: Deu sim uma melhorada, porque antes eu só trabalhava, morava no emprego, agora não, eu aluguei uma quitinete, tenho meu emprego, eu só acho assim, que a vida amorosa no meu caso… né? |