Dançantes e Abatazeiros
Entrevista com Ilton Carlos
Abatazeiro da Casa
Maio 2014
Ilton CarIos (IC): Meu nome é Ilton Carlos […]. Nasci aqui em São Luís e moro aqui bem perto do terreiro. Sou casado e tenho quatro filhos. Eu estudei no Mário Andreaza, naquele colégio no Monte Castelo, lá é que eu fiz meu ensino todinho da 8ª até o 2º ano. Já tive várias profissões, já trabalhei de ajudante de pedreiro, em construção civil, hoje eu estou num restaurante aqui que inaugurou, que é o Coco Bambu, fica lá no Calhau, eu sou almoxarife lá, almoxarifado.
João Leal (JL): Quando começou a tocar aqui? IC: Aqui eu meu primeiro tambor foi o tambor de Seu Jariodama, em 2004. Entrei junto com o tocador Ricardo, nós dois entramos juntinho. Sempre nos conhecemos, desde criança, a gente estudou junto, a gente resolveu entrar no terreiro juntos. JL: O Ricardo tinha uma banda, você também tinha? Fazia qualquer coisa na música? IC: Não, eu sempre toquei, negócio de percussão. Eu toco em boi, toco em bloco, toco em tambor de crioula, qualquer instrumento de percussão que botar eu respondo. JL: Já tinha vindo antes no terreiro? Antes de começar... IC: Não, pra falar a verdade eu tenho até um avô que é dono de um terreiro lá no Bairro de Fátima, ele é guia do terreiro de uma filha de santo do finado Jorge, que é Dona Zeca, ela tem um terreiro, aí sempre eu ia lá quando meu pai era vivo. Aí, sempre ele me levava lá mais minha mãe, sempre eu tocava cabaça, mas nunca pensei em estar em terreiro assim não, como eu estou hoje, entendeu? JL: Com é que aprendeu? IC: Eu sempre tive esse dom de tocar instrumento só olhando, aprendendo só no olhar, entendeu? Sempre tive esse dom, tudo que eu olho, eu aprendo rápido, em termo de percussão, eu olhando... JL: A família não tem nenhum preconceito, aceita bem né? IC: Sempre minha mãe me apoiou, minha avó, minha tia sempre me apoiaram, sempre me deram força, porque o terreiro me deu uma grande força de vida, me deu uma vivência bacana. me deu uma lição de vida muito boa. JL: Por exemplo? IC: Várias coisas, a respeitar as pessoas, entendeu? A saber o que é certo, saber o que é errado. |
«Eu sempre tive esse dom de tocar instrumento só olhando, aprendendo só no olhar, entendeu? Sempre tive esse dom, tudo que eu olho, eu aprendo rápido, em termo de percussão, eu olhando...»
JL: Sua vida deu uma melhorada grande depois que começou avir no terreiro?
IC: Deu uma melhorada, deu uma melhorada 100%, hoje, graças ao terreiro eu sou um pai de família. Agora, eu cuido dos meus filhos direitinho, eu trago até eles aqui. É uma coisa que eu sempre gostei, de tar aqui no terreiro. JL: O pai de santo ajuda também, dá conselhos? IC: Ajuda, ele é um pai de santo, ele é um amigo, é companheiro, ele conversa com a gente, ele sempre dá um conselho a mais pra gente, entendeu? Sempre está ali perto da gente dizendo o que é errado, o que é errado, o que é certo, isso aqui não vai, não vai, não faz isso, não é assim, conversa, ele dá também conselho, conselho também com problema de família, dá conselho, “não, não é isso, não faz isso”, pensa, conversa, entendeu? Assim que é. JL: Aí, o abatazeiro não é só abatazeiro, né? Vocês fazem outras coisas, né? IC: O abatazeiro não é só tocar um tambor, dizer assim “ah! Eu toco tambor”. O abatazeiro tem suas funções aqui dentro, que é parte do ritual, que é a parte mais reservada da gente, as coisas que tem que ser feita, né? Coisa que é da nossa religião mesmo, entendeu? A gente passa por um processo pra aprender todas as funções de um abatazeiro, a gente tem um nome na religião, somos Alabê Runtó. JL: Aí vocês têm uma iniciação? IC: Uma iniciação, tem que ter todo o seu procedimento, umas coisas que é só nós que sabemos, entendeu? Coisa que não pode ser colocado assim. [Eu entrei] fiquei um ano, [antes de ser iniciado] vi se eu queria aquilo mesmo pra mim, o que eu queria seguir, essa religião que eu estou hoje, que é boa, maravilhosa, que foi tudo na minha vida, até hoje está sendo. Até hoje, aí eu tive a certeza de que eu queria isso, que até hoje eu faço parte... JL: Pode acontecer durante um toque um abatazeiro ficar em transe? IC: Acontece, não o transe de se incorporar, [mas] o transe da energia do Orixá lá no momento que está presente, entendeu? Não tem totalmente da pessoa se incorporar, é um transe que a gente sente da energia do Orixá quando chega na guma, entendeu? A gente sente esse transe e é bom. JL: Tem alguns toques que são mais difíceis? IC: Geralmente pra mim não se torna difícil não, se a pessoa se dedicar mesmo, querer, acerta sim tocar. JL: Aí, vocês fazem turnos, né? IC: Geralmente a gente faz assim, por que tem as parelhas, né? Aí, por exemplo, se está eu ou então está eu ou Zé Antônio, a gente toca até certas horas, né? Aí entra Ricardo, aí entra Edson, entra Lindberg, entra Irlan, várias pessoas. É uma hora e meia pra cada. JL: Quando o pai de santo está visitando outros terreiro com as dançantes, vocês vão junto, né? IC: É, tem vezes que a gente vai. Não é toda vez que ele [vai], mais certo assim são as dançantes mesmo, entendeu? A gente vai porque a gente gosta de estar perto dele né? Sempre que ele precisa de alguma coisa a gente está lá, entendeu? JL: Vocês estão muito enturmados, todos os abatazeiros, né? IC: É, nós somos muito unidos, certas horas rola aquelas coisas que é, todo terreiro tem isso, né? Aquela pequena discussão, mas entre a gente não tem discussão não, a gente sempre foi unido aqui, nós tocadores. JL: Qual a doutrina em português que você gosta mais? IC: Tem uma aqui que eu gosto que é do CD do meu avô de santo, que até ele canta no CD Virada pra Mata, é assim: “não sei se é meu destino, com sorte que Deus me deu, andar pela mata virgem, somente adorar a Deus, manjericão lá da Bahia sou eu” (cantando), essa daí é a que eu mais gosto. É uma doutrina pra Caboclo da Mata. |