Dançantes e Abatazeiros
Entrevista com Eliane
Dançante da Casa
Maio 2014
Eliana (EL): Meu nome é Eliane […], nasci em 13/10/1958, tenho três filhos, cinco netos. Trabalho de cozinheira, sou chefa da uma cozinha industrial, terminei até o 2º grau, como nós chamávamos antigamente, né? Ultimamente eu moro na Cidade Operária, mas eu morava aqui, bem aqui perto, aqui na Fé em Deus, próximo da casa que eu fui iniciada. Eu fui iniciada na Casa de Jorge Itaci de Oliveira, há 18 anos atrás. Mas antes de eu entrar na casa de Pai Jorge, eu estava na casa de um filho de santo dele, que é o Antônio, Antônio de Tóia, então, não deu certo e eu passei pra Casa de Pai Jorge. Meu senhor é Ogunjá, eu sou de Ogum com Iansã.
João Leal (JL): E outras outras entidades que recebe? EL: Tem de todos. Olha! Primeiro eu recebo Seu Zé Raimundo, né? Encostado na família de Légua, mas ele não é um Codoense, ele é só encostado. Eu também recebo Seu Mensageiro de Roma, que é filho do Rei da Turquia, recebo Seu Sabiá Bandeira, que é filho do Rei da Bandeira, recebo a Menina da Juçareira, que é turca também, recebo Menina do Maracujá, que é uma bandeirante também, que é filha de Seu Bandeira. Menina da Juçareira e Menina do Maracujá são princesas. Menina do Maracujá é a mesma Princesa Laura, ela vem com os dois nomes. Recebo uma Surrupira, inclusive eu tenho o maior respeito por ela, sei que dá em mim só uma vez por ano, 14 de dezembro aqui, que é o tambor deles. Recebo Seu Vira Mundo, que é um caboclo muito raro e também não é muito frequente na minha cabeça, mas que, quando eu me iniciei, quando desenvolveu, ele vinha muito na minha cabeça. Mas sumiu da minha cabeça depois que eu dei obrigação pro meu senhor, aí pronto, ele sumiu, só vem lá alguma vez, quando talvez tem alguma passagem de cura, aí ele se manifesta muito raramente. JL: E gentil? EL: Meu gentil é um Pombo, ele é (Oboçu) Pombo, que é da família de Verequete, mas esse aí também faz mais de quase 10 anos que eu não recebo ele, entendeu? Ele não é frequente na minha cabeça, certo? JL: As entidades que se fazem mais presentes nos toques são Seu Zé Raimundo... EL: Seu Zé Raimundo, Seu Mensageiro de Roma e Seu Sabiá Bandeira, esses que dão na minha cabeça, mas mais mesmo é Seu Zé Raimundo. JL: E os Orixás e os Voduns? EL: Eles vêm na data certa, eles tem a data certa de vim, quando é tambor pra Orixá, quando é tambor pra Vodum. Aí eles se manifestam só nessas datas, certo? JL: Os caboclos estão mais presentes? EL: Os caboclos estão mais presentes, os caboclos, qualquer coisa, eles vem, qualquer coisa, bate um tambor, bate uma lata, bate um tambor de crioula, eles estão vindo. JL: Mas, fora dos tambores, eles não se manifestam assim na vida do dia a dia? EL: Se manifestam, eles podem ir em casa, em casa a gente está, tipo assim, no meu caso, quando eu estou assim muito deprimida, eu sinto a presença das minhas entidades, eu estou muito triste, muito triste, eu sinto a presença das minhas entidades do meu lado. JL: Aí, elas animam a senhora? EL: Isso. Aí quando elas vão embora, aquela mágoa, aquela angústia, aquela depressão some. JL: Vodum é mais alto do que caboclo, né? EL: Vodum é mais alto, Vodum é que é o dono da cabeça da gente, do orí, quem manda é o Orixá. Eu não sou de Vodum, sou de Orixá, então, eles que mandam, os caboclos já vêm ficar em baixo, já. JL: Qual é a diferença da energia de uns e de outros? EL: É muito diferente, a energia de um Orixá é diferente demais da energia de um caboclo. Orixá vem, a energia deles é mais forte, porque a gente sente, se o tambor é dez horas da noite a gente já está sentindo, sente o dia todinho a energia dele e caboclo não, caboclo pega a gente de surpresa, posso estar conversando com o senhor aqui e caboclo chegar… JL: Por exemplo, assim, se a senhora tiver uma dificuldade na vida, uma coisa assim, um desgosto, pede pra Orixá vir ajudar? EL: Peço, peço pros dois, por que eu tenho muita fé nos meus Orixás, amo meus Orixás, certo? Tanto é, que eu fui casada 21 anos da minha vida, me separei do meu marido por causa dos meus caboclos, dos meus Orixás. JL: Ele [o seu marido] não aceitava? EL: Foi, ele não aceitava, então, aí eu optei pela minha religião, eu não me arrependi. Muitos homens tem ciúme, não aceita, não gosta do fato da gente conviver no meio de muitos homens, então tem marido que se sente enciumado, acha que a gente vem pra cá, não cumprir com uma obrigação e sim fazer outro tipo de coisa errada. Mas também tem marido que aceita, que entende, mas tem muitos que não, não aceita, no caso meu não aceitava. JL: No caso da senhora, como é que sente que está chegando o transe? O que é que acontece? EL: No meu caso é nas pernas, as pernas, eu sinto muito as minhas pernas, porque a minha incorporação vem de baixo da terra, porque o meu senhor e minha senhora são da terra, principalmente o meu senhor, é da terra. JL: E sente as pernas ficarem assim fracas… EL: Fracas, fracas, exatamente. Depois vem uma tremedeira assim no corpo, vem assim uma, o pé e a mão gelados, a pressão baixa, o pé, a mão gelada, a gente fica assim até o transe se concluir, que isso é só o começo. JL: E depois do transe lembra alguma coisa? EL: Não, não. Às vezes os caboclos, eles deixam alguns fleches, alguns fleches, mas só que a gente não tem certeza se realmente aquilo aconteceu, a gente tem que perguntar pra alguma pessoa que não estava incorporada, “aconteceu isso, isso, isso? O que foi?” Principalmente, no meu caso, quando o meu caboclo briga, discute com alguém e se zanga com alguém, primeiro ele me deixa chorando, ele me deixa super abalada, me deixa chorando. Aí eu procuro saber o que foi que aconteceu, porque eu já tenho a certeza absoluta que aconteceu alguma coisa. Dos anos que eu danço, eu já aprendi a saber disso, quando ele vai embora, que ele me deixa assim com o coração apertado, chorando, é por que aconteceu alguma coisa e eu tenho que procurar saber o que foi, a maioria das vezes ele está errado e pouca vezes ele está certo. |
«Muitos homens tem ciúme, não aceita, não gosta do fato da gente conviver no meio de muitos homens, então tem marido que se sente enciumado, acha que a gente vem pra cá, não cumprir com uma obrigação e sim fazer outro tipo de coisa errada.»
JL: A primeira vez que caiu no santo, como é que foi?
EL: A primeira vez, o senhor quer que eu conte a história é? A primeira vez, o meu filho… Eu tenho um filho, que agora, hoje em dia está com 32 anos, na época ele tinha uma faixa de sete a oito anos. Então ele ficava olhando as minhas entidades, eu não conseguia olhar, mas ele olhava dentro de casa, ele olhava meus encantados, olhava as minhas princesas, olhava tudo dentro de casa. Então, aquilo ali foi prejudicando ele cada vez mais, ele tinha muita febre, ele olhava as coisas, não deixava ninguém sossegar, ele não deixava ninguém dormir e muita, muita febre e geralmente isso acontecia nos dias grandes: dia de São Jorge, dia de São Lázaro, dia de Santa Bárbara, dia dos santos católicos grandes. E teve um determinado momento em que eu achei que eu era culpada daquilo e como eu sou mãe, aí eu tive que me integrar totalmente na religião. Esse foi o motivo de eu ter entrado na religião, não foi por amor à religião, foi por necessidade, pela saúde do meu filho, porque eu achei que ele ia enlouquecer, que ia enlouquecer. JL: E depois deu uma melhorada? EL: Melhorada? Ele ficou foi bom. A partir do momento que eu entrei, comecei a fazer todas as obrigações certinhas, nas coisas certas, ele parou, até hoje, já é um homem, já é casado, já tem família e nunca mais sentiu esses tipos de coisas que ele sentia quando criança. JL: Das doutrinas dos seus encantados, pode cantar uma ou duas que goste mais? EL: Tem uma doutrina do meu senhor, própria dele, que Wender fez a letra, botou a melodia e tudo, é do meu senhor, quer dizer que é dele, foi feita pra ele na minha cabeça e tem outras cabeças, mas foi feita na minha, vou cantar, é assim [canta doutrina em língua africana]. Essa doutrina é dele na minha cabeça, se o senhor ouvir cantar essa doutrina em outras cabeças, foi por que escutou aqui e levou, mas é minha, é própria dele. A de Seu Zé Raimundo é assim, ele canta assim: “sou eu Zé Raimundo, Zé Raimundo camarada, sou eu Zé Raimundo, Zé Raimundo camarada, eu tenho fama de ser camaroeiro, tenho puçá, tenho tarrafa no mar, eu tenho fama de ser camaroeiro, tenho puçá, tenho tarrafa no mar” (cantando). Agora de Seu Mensageiro. Ele canta assim: “Quem? Quem vai não manda, quem? Quem vai não manda, sou eu Mensageiro de Roma, sou eu Mensageiro de Roma, quem vem de Roma é romeiro, quem vem de Roma é romeiro, sou eu Mensageiro de Roma, sou eu Mensageiro de Roma” (cantando). Esta doutrina é do Mensageiro, é o filho do Rei da Turquia, um Príncipe, muito raro também na minha cabeça, ele não vem muito assim na minha cabeça, entendeu? JL: E está aqui na casa desde o início, né? EL: Desde o início, assim que Pai Jorge faleceu, aí dois anos depois, Wender botou a casa, aí ele veio e eu vim com ele, na verdade eu sou irmã de santo de Wender e ele concluiu as minhas obrigações. Pai Jorge deixou só o meu senhor assentado, então ele concluiu e assentou minha senhora, e então, ele é tipo meu pai adotivo, pai irmão adotivo. Mas não foi ele que me iniciou, eu já trouxe o assentamento do meu senhor, eu trouxe pra cá, ele já estava assentado, certo? JL: No princípio eram poucas dançantes? EL: Claro, claro. Em princípio veio só os irmãos de santo dele, foi eu, Márcio de Xapanã… Aí veio Rosa do Ogum, aí a gente veio com ele, aí foram chegando, as dançantes foram chegando. JL: Por quê que não continuaram lá na Casa do Pai Jorge? EL: A gente não se adaptou lá, não se adaptou por que nós éramos, tipo assim, os novatos, então, as velhas não engoliam a gente. É, elas tinham assim uma picuinha, então aí a gente veio, aí ele convidou a gente, a gente veio, nesse tempo era bem aí na cozinha da casa da sogra dele, aí a gente arrumava as sessões, aí os caboclos vinham, os Voduns vinham às vezes, uma vez ele fez uma chamada para os Voduns, eles vieram, os Orixás, né? Aí pronto! Eu estou com ele até agora. JL: A casa, o terreiro é uma espécie de família? EL: É uma família sim. JL: As pessoas se dão bem, se ajudam umas as outras? EL: É como irmão. Tem dia que irmão não briga? Então, é uma irmandade, é tipo um irmão carnal, um dia a gente briga, outro dia não briga, um dia está zangado com um e com outro e no final fica todo mundo junto. Pai Wender ajuda, aconselha, conversa, chama, uns mais e outros menos, eu pelo menos não dou esse tipo de problema pra ele, porque eu já estou adulta, já sei resolver meus problemas então eu não trago meus problemas pra ele, eu resolvo eu só. JL: E como é que era Pai Jorge? Como pessoa, como pai de santo, qual é a memória que tem dele? EL: Muito bom pai de santo, só que ele estava já cansado, ele tinha muito filho de santo que às vezes ele não tinha tempo de dar atenção pra todos, porque eram muitos. Eram uns 150. Uns frequentavam mais e outros menos. E ele tinha filhos de santo em todo lado, Belém, São Paulo, Rio de Janeiro, Pai Jorge tinha filho de santo até na Itália, entendeu? JL: E ele foi muito importante aqui na Mina em São Luís? EL: Foi muito importante, inclusive, o nome dele ainda é citado até hoje, foi um dos babalorixás mais importantes daqui, dentro do Tambor de Mina e muito falado, muito respeitado até hoje. JL: Já bancou os Impérios aqui na casa? EL: Já, ano passado [e há dois anos]. Nesse caso, se juntou um grupo de quatro caboclos pra bancar o Império. Na verdade, todos saíram, ficou mais só eu e Tassiane, porque o resto não assumia não. JL: E o gasto com Império é muito... EL: Muito alto, por que no meu caso, eu comprei tudo, não foi nada alugado, porque às vezes eles alugam a roupa, mas eu comprei capote, eu comprei almofada, eu comprei roupa, os bolos, lembrança. E no caso foi duas roupas, uma pró levantamento do mastro e uma pró dia da festa. JL: E essa roupa ficou prá casa? EL: Ficou prá casa, eu dei prá casa, porque se vier outro Império da cor já tem a roupa. JL: A festa do Divino é a festa maior aqui, não só nesta casa, mas em várias outras casas? EL: É, é a maior festa. JL: Custa mais dinheiro também, não é? EL: É, muito dinheiro, o gasto é alto. JL: Mas, por que razão é que é assim tão popular nos terreiros? Por que é uma festa católica. EL: É católica e toda festa de Mina tem que ter, todo tambor, toda casa de Mina tem que ter, é obrigatório, eu acho que é obrigado. |