Dançantes e Abatazeiros
Entrevista com Alexandre
Dançante da Casa
Maio 2014
Alexandre (AL): Eu me chamo Alexandre […], moro em Macapá, tenho trinta e um anos, sou estudante, estou fazendo o estudo de Educação Física em Macapá, mas actualmente estou parado. Viro mais pro Santo, pro barracão, né, pra São Luis do que estar mais estudando, né? Eu me dediquei mais mesmo pro Santo agora.
João Leal (JL): E como é que tudo começou? Como é que veio o Santo? AL: Em Macapá existe o tambor, falado Tambor de Mina, mas não é o Tambor de Mina daqui de São Luís, mas é um toque que envolve encantaria, as encantarias todas juntas. Que é ao contrário do de São Luís, que tem alguns [toques] que são tocadas por famílias e tudo mais, mas lá não, é uma junção de todos os Encantados: o povo de Légua, Bandeirantes, Turquia, Boto e tudo isso. Então chegou um tempo entrei numa casa de santo dentro de Keta, mas eu vi que aquilo ali não era meu, o meu corpo não permanecia ali… Aí que eu tive essa oportunidade, através de Pai Márcio Artur, do Caboclo de Água, que me convidou para vir para São Luís na festa do Espírito Santo. Eu acho que foi cinco anos atrás e eu comecei a vir. Então essa foi minha primeira vinda aqui, de lá, eu comecei a vir frequentemente. O primeiro ponto de vista que eu tive aqui foi o “Nossa! Totalmente diferente”. Lá tem uma coisa tudo junto e aqui tem uma coisa de tanta energia, então aquela energia me mudou, mexeu com a minha energia sentimental. Foi quando eu me servi a Dona Maria Amélia, que é minha encantada, foi aí que ela veio e se identificou com a casa e, depois disso, passei a vir frequentar, conhecer o pai de santo e toda vez que eu vinha pra cá. Então foi aqui que eu encontrei esse acolhimento, foi nesse axé que eu me identifiquei e que até hoje eu sou muito grato, ao que está aqui hoje dentro desse barracão. JL: Isso quer dizer que algumas coisas de aqui, levou para lá? AL: Levei, eu tou adaptando, eu tou numa fase de adaptação da coisa, né? JL: Quantos filhos de santo tem lá em Macapá? AL: Eu hoje tou com oito filhos de santo, na verdade o barracão é o barracão do meu pai. A casa minha toda é do santo, meu pai carnal é pai de santo de Umbanda, a minha mãe também. Ou seja, na família toda, avó, irmãos, todos familiares fazem parte dentro do culto. JL: Mas no seu caso, quando é que caíu o santo, como é que começou... AL: É, quando eu caí no santo, foi a primeira vez foi dia vinte e dois de... dia dezassete de Setembro, foi minha primeira queda! Tinha oito anos de idade. Eu tocava tambor junto com um senhor chamado Pai Ginaldo, eu tocava tambor junto com ele, e numa dessas coisas, aquele negócio fez eu sair do tambor e só sei que fui parar no chão lá, com oito anos de idade. Depois aquele negócio no meu corpo, ainda muito moleque, me deu uma crise de choro né? E no outro dia, eu fazia um curso de bombeiro, eu não tinha condição de ir pró curso porque meu corpo parecia que estava todo quebrado, estava tudo dolorido né? O caboclo era muito grande, e sempre sabia que ele era muito grande, então ficou muito marcado em mim até hoje. O primeiro caboclo que se manifestou chamava-se Caboclo Serra Negra e até hoje ainda baixa, faz a pajelança dele em cima de mim até hoje e quando ele me deixa, ele me deixa do mesmo jeito, meio caído ainda, até porque tenho um corpo meio frágil, né? O caboclo, ele suga muita energia. JL: Então lá no seu terreiro faz pajelança, cura... AL: Faz tudo. Lá é mais, como a gente fala, Umbanda de Maracá né? É uma sessão de pajelança, não é a mesma coisa que tem aqui de São Luís. É mais a Umbanda, é mais a Umbanda. JL: Mas ao longo de cinco anos aqui, frequentando o terreiro, já organiza os toques lá como aqui? AL: Já, devagar. No ano que vem, finalmente, vou inaugurar casa, mas quero fazer essa inauguração com tudo o que tem direito, uma semana de toque pra cada família que tiver, pró pessoal dar uma entendida no Tambor de Mina, que é um culto simples, mas de grandes segredos e de grande energia. Você não sabe de onde é que vem essa energia, você não sabe o que é que acontece no meio do toque, é uma coisa de pegar você no pé, e você não sabe pra onde você vai, e aí deixa a coisa acontecer. JL: Quando baixa a entidade você não lembra? AL: É, não lembra. Logo no meu início eu lembrava, que eu era tão criança, que eu acho que o caboclo não dominava bem ainda, e também não tinha remédio para colocar na cabeça, então eu não perdia todo o meu consciente e depois de um bom tempo é que eu comecei a perder a consciência, perdi mesmo e até hoje eu não me lembro mesmo. JL: E quando chega, quando baixa uma entidade, como é que ela se manifesta? AL: É, as entidades têem diversas jeitos de chegar, né? Se me sinto bem, a Dona Amélia quando vem, ela vem por baixo, minhas pernas começam a ficar bambas, meu coração começa a acelerar e eu começo a mexer com o meu emocional, parece que me dá assim aqueles pensamentos sabe? Aquela coisa assim que dá e você reflecte na vida, entendeu? Eu digo poxa, aquela energia que a gente pega assim, porque pra mim ela é assim uma… É uma cabocla que já me deu assim muita coisa, entendeu? Muito mesmo. JL: Dona Amélia é de que família? AL: Ela é da família de Seu Bandeira, família Bandeirante. JL: Mas se for um gentil a baixar é diferente? AL: Isso. Quando me manifestei pela primeira vez com Dom João, em Macapá mas eu não sabia o que era Dom João, pra mim aquilo é uma coisa bem subtil, uma coisa bem leve, não tem aquela euforia de caboclo, por assim dizer, é uma coisa mesmo bem tranquila, ao contrário do encantado, né? JL: Porque é que os gentis vêem tão pouco? O caboclo passa o tempo baixando, porque é que gentis vêem tão pouco? Estão lá mais longe? AL: Eu acho que depende dos toques, né? Porque essa coisa de [os gentis] serem um pouco finos, não participar muito desse negócio de festa. Eles têm um momento pra chegar, virem festejar, do jeito deles. E tem caboclo que pode atrapalhar essa vida deles, talvez, e algo assim. Eles de serem tão nobres, chega um caboclo, vai querer muita coisa, acho que eles não vão gostar né? JL: Um toque para gentis, é um toque mais hierárquico, mais lento, não é? AL: – É, mais lento. JL: O toque para caboclo é mais... AL: É mais alegrado, é! JL: E assim a meio do toque fica mais bagunçado, os caboclos vão dançar, vão beber... AL: Eles ficam nessa dinâmica né? Eu acho que se o caboclo não fizesse isso, o Tambor de Mina ficava bem mais triste. [Caboclo] serve para alegrar mais o terreiro. Que o caboclo ele chama muito encantado, chama muita gente, muitos amigos né? Faz a coisa acontecer. JL: Caboclo bebe muito, né? AL: É, caboclo bebe sempre, na hora que der vontade a gente não pode correr dele né? A gente está aqui e diz “ah eu vou-me embora que agora não estou com vontade de lhe aturar”, mas você chega lá na esquina, ele te pega e do mesmo jeito, ele te traz de volta. |
«O primeiro ponto de vista que eu tive aqui foi o “Nossa! Totalmente diferente”. Lá tem uma coisa tudo junto e aqui tem uma coisa de tanta energia, então aquela energia me mudou, mexeu com a minha energia sentimental.»
JL: E assim, no dia-a-dia, o caboclo ou uma entidade podem baixar ou é sou nos toques e nas obrigações?
AL: É, eu acho que quando o caboclo vem, quando o encantado ele vem, assim e não tem toque, eu acho que ele vem fazer alguma coisa, porque eu acho que caboclo ele não vem à toa na terra, ele vem pra fazer alguma coisa, com certeza. Ou ele vem deixar um recado, ou ele vem fazer aguma coisa pra santo ou vem receber alguma coisa que a gente não está nem esperando. É interessante quando o caboclo vem assim sem a gente estar esperando. JL: Mas para o filho de santo, para ajudar a resolver alguma problema, é mais importante o orixá ou o caboclo? AL: Acho que a junção dos dois se torna muito importante. Tem problemas que por vezes o orixá tem de resolver. E o caboclo é mais assim, próximo dos problemas do dia-a-dia. O caboclo ele está de mais, ele vivencia a vida um pouco né? Então ele é mais chegado, ele vem para tocar na ferida e… [Os orixás] eles aconselham mais do que agir, o caboclo ele não, ele faz, trabalha mais e fala pouco. Eu acho que [os gentis] eles aconselham mais, dão umas certas orientações para que você não venha a fazer ou cair em nenhuma besteira, pra te alertar que futuramente aquilo não vai lhe prejudicar […] né? O encantado não, ele já vem e já te fala: “olha toma cuidado com aquilo, ou aquele outro, toma cuidado com fulano ou com beltrano ou toma cuidado com isso”, entendeu? “Olha futuramente você vai ter tal”. Isso é que é interessante ver, dentro dessa coisa da encantaria. Enquanto os gentis não, ele já vêem mais, são mais serenos, são reservados, aconselham a te dar uma palavra amiga, uma palavra de apoio porque você precisa. JL: Mas a energia dos gentis é uma energia mais forte do que a dos caboclos? AL: Cada um com sua energia, né? Mas a energia deles, é uma energia mais serena, é uma energia de tranquilizar mesmo. JL: O caboclo é mais... AL: É, ele mexe mais com o sentimental mesmo da gente. Ele abala o coração e o gentil não, quando ele pega assim, ele entra no teu corpo e tem assim uma coisa tão serena, não sei lhe explicar mas é bem interessante, essas incorporações elas são bem interessantes. Caboclo não, ele pega, tem caboclo que chega rodando, eu acho bonito né? Caboclo chega rodando e já entra num clima de faz a coisa acontecer, os gentis não, os gentis são mais uma coisa... Até o dançar deles é uma coisa mais simples e muito bonito mesmo. É essa a coisa que Macapá não tem. JL: Que encantados é que você recebe? AL: Eu sou de Xangô, mas nasci Oxum e trabalho com o meu chefe [que] é caboclo de Ondamata e tenho como farrista Dona Maria Amélia, mas trabalho com Marinheiro Joãozinho, trabalho com Zé Vaqueiro, Pena Branca, Serra Negra, entendeu? Juracema...com vários encantados a gente trabalha, mas tem os que vem mais com frequência, quem vem mais é Dona Maria Amélia, ela reina mais aqui, aqui em São Luís. JL: E princesa? AL: Princesa, eu me sinto muito mal com Princesa Dantã, ainda não me manifestei assim com princesa, mas... JL: Se sente mal? AL: Sim, me dá umas crises de choro, umas coisas assim bem emocionais. Quando se toca para Dantan, [é] muito bonito mesmo, mas dos vário toque que já tiveram, eu me sinto muito mal, mas eu fico na minha, se for no dia, se chegar a hora, chega, mas eu fico assim meio nervoso quando se toca para Dona Dantã. Ela é borboleta Dantã, ela quer voar! Parece que vai entrando na gente, e então é uma coisa muito chorosa, porque eu sou uma pessoa que tem muita fé. Eu tenho fé na energia que emana, se eu não sentir energia eu não tenho como actuar, então eu tenho apenas a energia que aparece, e quando entra, é uma segunda pessoa mesmo que vai entrando na gente mesmo. E aí, eu não sei nem... É inexplicável, eu acho que ninguém vai lhe explicar isso aqui, essa coisa. Até mesmo os psicólogos eu acho que não entendem a incorporação na parte da gente, né? JL: Essa doutrina para a Princesa Dantã, como é que é então, toda? AL: (cantando) Ela é borboleta a Dantã, ela quer voar, seu pai é chefe das matas reais, lá vem Dantã. JL: Mas essa princesa é de que família? AL: Família de Bandeiras. JL: Bandeiras são caboclos ou nobres? AL: É uma mistura, né? Tem nobres, pescadores, índios... JL: Você só vem aqui pra São Luís na festa do Divino ? Ou vem noutras ocasiões? AL: Não, eu venho em outras ocasiões, justamente para adquirir o conhecimento e repassar para lá para o meu pessoal. JL: Voltando atrás: com oito anos baixou a primeira entidade, mas depois a iniciação foi quando? AL: É, depois disso, eu passei muito tempo em que eu não quis aceitar, porque começou a dar-me também uma epilepsia, comecei a passar vergonhas dentro da escola e no meio da rua né? Então como a maior parte da sala sabia que eu era filho de macumbeiro (como eles falavam), então já sabiam do problema e me levavam pra casa, eles me carregavam pra casa, a Directora ficava incumbida de me levar pra casa. Com treze anos, eu comecei minha vida de querer estar na rua, festa... Quando deu assim os dezasseis anos, eu vi que a coisa já estava mais séria, então foi quando eu resolvi aceitar mesmo, e aí eu tomei uns banhos, meu próprio pai começou a me ajudar, e chegou um tempo que não era mais aquilo que eu queria, acho que eu precisava de uma evolução assim mais.... E aí foi quando eu me iniciei. Já estou com dois anos de obrigação que eu fiz aqui. JL: Mas antes não tinha tido iniciação, lá em Macapá? AL: Não. Foi como eu lhe falei, eu fiz um bori na casa de Keto, entendeu, fui para dentro da casa de Keto. Então eu dei um bori, foi só mesmo um bori mesmo que eu dei. Mas já virava com santo lá, meu pai Xangô se manifestava já e aqui foi a mesma coisa, foi numa Festa de Dom Luís que eu me manifestei com meu pai Xangô. Veio, me pegou mesmo e depois dei um bori com o pai de santo e no ano seguinte dei obrigação com ele. [Isso foi] há dois anos, estamos em 2014 e isso foi em 2012. E graças a Deus eu estou aí, estou bem, dei uma equilibrada na minha vida, então isso que é importante. Às vezes as pessoas procuram pai de santo para enriquecimento, não vêm buscar mesmo pelo espiritual, eu vim mesmo em busca de espiritualidade... JL: Qual é a doutrina desses encantados de que gosta mais? AL: (cantando) Meu pai é caboclo da bandeira, João da Mata falado, a esse nome te trouxe, lá ele foi baptizar, a ver sua bandeira é de folhado, Arêrê é caboclo da Madeira. Esta doutrina é de Seu João da Mata, aquele lá mexe mais do que caboclo, ele entra assim na gente mesmo e você vê aquela história acontecer... Linda de mais... Tambor de mina foi assim, acho que eu poderia ter dez catequista, mas a força não é a mesma. JL: E como é que a relação assim com os filhos de santo, com outros dançantes, com Pai Wender? AL: Meu pai, para além de ser um grande pai de santo, ele é amigo entendeu? Ele me abriu os braços, me agarrou, me abraçou, então ele foi muito importante para isso. Eu acho que dentro da casa tem de ter uma boa relação entre pai e filho, e, quantos aos irmão, quando a gente é convidado, é uma recepção e quando você passa a ser, a entrar dentro da casa como família, as pessoas ajudam, né? Precisa conhecer, então continuo conhecendo ainda, mesmo passados cinco anos estou conhecendo eles ainda, mas é boa a relação, cada vez mais vai melhorando, sem atritos, sem problema. Todas as casas têm problema mas não tive nenhum problema até agora. A casa, acho que a gente vai muito, não pela beleza da casa ou pelo nome, mas sim pelo que você encontra: você vem buscar o quê nessa casa? Você veio buscar força, você veio buscar equilíbrio, você vem buscar melhoras na espiritualidade. Então essa casa, ela me deu essa abertura de ter tudo isso. Ter um pai de santo que é amigo, que te escuta, que te aconselha, isso é que é importante dentro do Axé, isso é que é importante mesmo, a relação entre pai e filho, entendeu? Isso me cativou para que eu estivesse aqui dentro, então isso me agarrou e eu tive essa dádiva de estar aqui hoje, dentro dessa casa. |